Por que Dissenso Crítico?

Somos pessoas velhas. Cringes? Anacrônicas? Talvez. Mas, com certeza, somos sujeitos do nosso tempo. E isso não significa que nos conformamos com ele, muito pelo contrário. Há um aspecto em nossa atualidade, derivado da era da informação, principalmente no pós-pandemia, que muito nos incomoda: a torção dos sentidos. É a percepção de que, cada vez mais, a criticidade e a própria ação crítica perdem sentido ou têm seu sentido transformado, adaptado ou cooptado por interesses antagônicos ao seu contexto de origem. Como, por exemplo, o uso da palavra revolução.

Cotidianamente ouvimos falar de inúmeras revoluções. Seja a “revolução digital”, “revolução do streaming”, “revolução do Pix”. Mas, sejamos honestos, isso não é revolução coisa nenhuma, é só inovação tecnológica a serviço do mercado. O uso constante e exagerado dessa palavra acaba apagando o seu sentido original e radical. Uma revolução de verdade, no sentido político e social, implica uma transformação completa das estruturas de poder e, principalmente, a abolição das classes sociais. Quando usamos “revolução” para descrever um aplicativo novo que nos deixa pedir comida mais rápido, esvaziamos o termo e ignoramos a luta real que ainda é necessária para mudar o sistema.

A inflação semântica do termo “revolução” no mundo contemporâneo é um ponto crucial de análise. Expressões como “revolução digital” ou “Quarta Revolução Industrial” descrevem, no máximo, acelerações tecnológicas ou inovações mercadológicas, mas raramente uma revolução no sentido dialético e materialista do termo. Esse uso constante e esvaziado tem um efeito ideológico claro: o apagamento do sentido mais profundo e radical da palavra. Uma revolução social de verdade exige a superação das contradições de classe, a tomada dos meios de produção pela coletividade e a abolição da propriedade privada. Reduzir esse conceito a um novo gadget ou modelo de negócios é despolitizar a história e silenciar a possibilidade de uma transformação estrutural real.

O problema central é que a narrativa da “revolução digital” nos vende a ideia de que a mudança é inevitável, neutra e até benéfica para todos, desde que aceitemos as regras do jogo capitalista. Isso mascara as novas formas de exploração que surgem, como a precarização do trabalho via aplicativos e a concentração massiva de capital nas mãos de poucos gigantes da tecnologia. Ao enquadrar essas transformações como “revolucionárias”, a ideologia dominante tenta nos convencer de que não precisamos de uma revolução política ou de uma luta de classes: a tecnologia supostamente resolverá tudo. Tal qual o empreendedorismo. Tal qual a representatividade. Tal qual o neoliberalismo e assim por diante. Assim, a verdadeira força subversiva do termo é neutralizada, transformando a “revolução” em sinônimo de “progresso de mercado” e não de emancipação humana.

Essa dicotomia revela uma hipocrisia social interessante: as pessoas adoram as “revoluções” que lhes dão mais conforto e entretenimento instantâneo, mas temem a revolução social de fato, mesmo que ela aponte para uma sociedade radicalmente mais justa. A primeira é confortável, exige apenas que saibamos usar um novo app; a segunda é aterradora, pois exige a renúncia de privilégios e a quebra da ordem estabelecida. Esse medo da transformação radical é ativamente cultivado. Não é do interesse de quem controla a sociedade que as pessoas tenham coragem de se rebelar. Por isso, são usadas todas as ferramentas possíveis para o controle social, que vão desde a indústria cultural (entretenimento que anestesia o pensamento crítico) e a mídia corporativa (que demoniza qualquer alternativa ao status quo) até a vigilância digital e o aparato repressivo do Estado, garantindo que o status quo se mantenha intacto e o sistema de classes nunca seja questionado de verdade.

Dito isto, o nome Dissenso Crítico vem deste entendimento, de que a organização social na era da informação se baseia, na verdade, na desinformação. Na distorção e apagamento de conceitos, ideias, realidades e, consequentemente, da ação e da materialidade. A única ideia que segue intacta cada vez mais é o neoliberalismo: o capitalismo em suas novas roupagens. Este que, mesmo em seu estado mais crítico e prestes a colapsar, devastando não apenas a classe trabalhadora, mas todas as pessoas, a fauna, a flora, todo um planeta e que ruma para a conquista espacial, é legitimado direta ou indiretamente por todos nós, nos mais ínfimos detalhes. Muitas vezes, até mesmo sem saber ou sem querer. A inteligência artificial está aí, também para isso.

Entendemos que, por mais que a crítica não amedronte o capitalismo — já que este engole e ressignifica tudo o que encontra pela frente —, atualmente ela tem sido usada para, quando não legitimar, acomodar os indivíduos e sua pulsão de revolta dentro deste mesmo sistema. Seja através de seus canais tecnológicos, seja através de influenciadores radicais de plataforma que, mesmo produzindo “conteúdos de esquerda”, legitimam a centralidade destes meios e ficam reféns dos mesmos, chegando ao ponto de fazer campanhas enormes para recuperarem seus perfis nas ditas plataformas. Lembrando que, numa última instância, o que faz uma plataforma? Ela plataformiza. Plataformiza e controla.

Do ponto de vista materialista, a sociedade é controlada por uma rede interligada de elites econômicas e políticas que possuem interesses comuns na manutenção do sistema capitalista global. Estes são os detentores dos meios de produção — grandes empresas, bancos e corporações de tecnologia — que exercem controle através do domínio econômico, da influência política e do controle ideológico (mídia, indústria cultural) para garantir que o poder permaneça concentrado no topo da pirâmide socioeconômica.

Já a perspectiva do anarquismo social expande essa análise ao argumentar que o controle é exercido por qualquer forma de hierarquia coercitiva e autoridade centralizada, e não apenas por uma classe econômica. Para os anarquistas, o Estado é a principal ferramenta de dominação, detendo o monopólio da violência e centralizando o poder de decisão. O capitalismo é igualmente rejeitado por ser intrinsecamente hierárquico e explorador. O controle, nessa visão, é sistêmico e multifacetado, e o anarquismo rejeita todas as estruturas verticais (governo, corporações, igreja) que oprimem a liberdade individual e coletiva, e é em favor da autogestão e da livre organização.

Assim, conclui-se que o controle da sociedade não é exercido por um único “controlador”, mas sim por um sistema complexo e interligado de autoridade e hierarquia, que combina o poderio econômico e de classe com as estruturas coercitivas do Estado e outras instituições dominantes, visando a manutenção do status quo e a perpetuação da desigualdade.

Por entendermos que esse controle social se dá para além de sua materialidade, na formação subjetiva dos sujeitos, oferecendo saídas individuais e ilusórias como likes, curtidas, informações falsas, ênfase na performance virtual, na reprogramação mental e no empreendedorismo, optamos por apostar na ideia de um dissenso crítico e não apenas de um dissenso como performance. Partimos de uma cisma, uma descrença com a cultura, a política, a representatividade, o empoderamento e com a vida celebrada nas plataformas digitais.

“Venha para o mundo do amargor. Venha para o mundo de DissCri”.

Os Editores.

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